Inferno
Continuando sua aventura pelo mundo sem luz, Dante, dirigindo seu carro, passou quatro horas preso no trânsito, percorrendo uma distância de dois quilômetros.
A distância era curta, Dante sugeriu a Saramago que fossem caminhando, mas o mestre explicou que, naquele círculo do inferno, andar não era permitido, pois a única forma de sofrer as penas devidas se dava pelos meios de transporte, coletivos ou individuais. Aos que caminhavam quando possível cabia o purgatório.
No princípio o calor era terrível, e claro, por ser castigo, o ar-condicionado do carro não funcionava. As janelas abertas eram o espaço de entrada para os braços de demônios vendedores (fica a dúvida sobre se eram demônios ou mais almas condenadas) vendiam toda forma de produtos com origem duvidosa. Saramago contou que para alguns, o castigo incluia dores de barriga e a pressa de chegar ao banheiro de casa, causada por balinhas de côco vendidas nos sinais. Ficou claro que nem todos os apressados de trânsito recebiam o mesmo castigo.
Em um segundo momento começou a chover torrencialmente. As janelas tiveram que ser fechadas, o ar ficou abafado e os vidros enbaçados. A água que caia enchia a rua, almentando a tensão de todos no trânsito que estava mais lento. As businas, que tocavam desde o início, agora tocavam de maneira mais frenética. Dante lembrou que passara por situação parecida quando presenciou as penas para os desrespeitosos de ônibus, mas desta vez não estava espremido. Pensou em como estas penas estão ligadas, o inferno dos veículos individuais agravando o inferno dos coletivos.
Observando o carro ao lado, Dante percebeu que as almas que ali estavam (mais de sete, com ceretesa) vestiam roupas leves, como quem sai de férias. Em cima do automóvel, malas e todo tipo de bugiganga imaginável. Claramente aquela família imaginava passar tempos felizes em algum lugar ensolarado.
Chegando em seu destino, nosso herói deparou-se com outro castigo deste círculo. Logo que diminuiu a velocidade para procurar uma vaga inúmeros corpos vestidos por bermudas velhas e camisas estranhas surgiram das sombras. Todos indicavam para para que Dante parasse o carro ali mesmo, na rua, mas solto. As vagas não existiam, em lugar algum. Foram mais duas horas procurando um lugar para estacionar.
Créditos da foto: Marcelo Almeida, engarrafamento em Recife.
Nenhum comentário:
Postar um comentário