domingo, 24 de maio de 2009

Fofoca na calçada


Fofoca na calçada, upload feito originalmente por lucas braga.

Mais ou menos reposta ao comentário sobre o post João e Maria.

É difícil saber como começou a história, principalmente porque vem da tradição oral. É como brincar de telefone sem fio quando morre o primeiro da fila. Nunca saberemos ao certo a história original. Ao longo do tempo , elementos podem, e provavelmente foram inseridos e adaptados, causando mudanças no conto. O que os Grimm e Perrault fizeram foi transcrever as histórias, limpando o que acharam necessário para uma adaptação literária. Muito do que eram estes contos pode ter sumido neste processo. Podemos colocar também que os contos, enquanto parte de tradição oral, dependem da forma como são narrados, entonação de voz, gestos e uma série de elementos que não cabem nas letras, exceto como adaptação, quando são mencionados. Algo como a necessidade de descrever cenários, ou dizer que o sol nasceu, para que o leitor entenda (visualize) melhor o que acontece.

Tudo que vem após Perrault e os irmãos Grimm pode estar comprometido por estas adaptações. As versões narradas por Michèle Simonsem pretendem transcrever a tradição oral sem "censuras" literárias. Uma tarefa árdua. Mas sendo posterior as empreitadas dos Grimm e de Perrault, não há como garantir que não tenham recebido alguma influência destes. O oral pode ter se alterado pelo que foi escrito. Claro, nada disso tira o mérito de Michèle, nem a importância de seu trabalho. Achamos em seu livro versões moralistas e mais cruas das histórias. A do Barba Negra é ótima. Ao que parece os Grimm e Perrault amorteceram os contos para atender a uma nova forma de entender os pequenos seres humanos, que passamos a chamar de crianças, preocupação ignorada por Michèle.

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Imagino como seria hoje um conto de lendas urbanas para crianças. A história do homem que teve seu rim roubado e ficou largado em uma banheira certamente não seria a mesma. Não sei onde surgiu, e já a escutei em várias versões, todas mantendo alguns elementos centrais: o homem enganado por uma mulher que após drogá-lo retira um de seus rins e o larga em uma banheira cheia de gelo e um recado para que procure um hospital. Não sei nem mesmo se existe uma história de origem para esta lenda. Contudo sei que ela conseguiu se espalhar e deixou muita gente (adultos) com medo de aceitar coisas de estranhos.

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Sobre o trabalho de crianças na televisão ser tratado como "um trabalho como outro qualquer". Melhor seria dizer "um trabalho infantil como outro qualquer".

Café

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Como de costume, pedimos um café após o almoço. O garçom prontamente nos atendeu e informou que hoje o café é cortesia da casa. Por que?  Porque hoje é o dia mundial do café. Justamente domingo, o dia em que menos o bebo. De bom grado, aceitamos o agrado e aproveitamos o café forte ao meu gosto, com pouco açúcar.

Não se sabe ao certo a origem da utilização da fruta africana de forma torrada e moída. Existem registros de seu consumo in natura já no século VI da era cristã, e talvez tenha virado bebida no século XVI.

Durante o século XIX e princípio do século XX teve grande importância para a economia brasileira. Entrou no país pelo norte, chegando ao Vale do Paraíba e posteriormente ganhando força no oeste paulista. Sua produção trouxe também força política no jogo que ocorria entre as províncias, que posteriormenete viraram estados. Durante os anos de pujança do café em nossas terras o Brasil chegou a responder por setenta por cento da produção mundial.

Difícil achar hambientes de trabalho em que não haja café, geralmente pago pela empresa. O café acompanha o trabalho, e não é a toa. O gosto pela bebida acompanhou o processo de formação do mundo capitalista, com suas novas relações de produção. O café com açúcar é boa fonte de energia para quem precisa trabalhar horas a fio. Então o casamento bebida/trabalho é bem sucedido pela ótica da produtividade.

Já tentei me divorciar algumas vezes do café. A relação que temos acaba com minha saúde vocal, mas o vício é mais forte. Um dia devo pagar por meus hábitos de consumo exagerado da bebida.

João e Maria


Meninada, upload feito originalmente por Priscilla Buhr.

Nada de casa de feita de doces. Nada de crianças perdidas e finais felizes. Esta semana lemos Contos populares de Michele Simonsen, uma tentativa de contar as histórias seguindo a tradição oral que as passou de geração em geração. Independente dos questionamentos que podem ser feitos a essa idéia de "resgate", principalmente após as investidas literárias de Charles Perrault e dos irmãos Grimm para transformar em escrita estes contos, vale a leitura.

Então, João e Maria tinham pais avarentos, que cansados de alimentá-los, decidiram perder as crianças na floresta. Enganados, perdidos, avistam duas casas, uma vermelha e outra amarela. Decidiram procurar ajuda na casa vermelha. A dona (nada de bruxa) resolve acolhe-los, mas avisa que seu marido não gosta de crianças e que caso descubra a presença deles ela levará uma surra e os dois virarão janta. Claro, o marido descobre, a mulher leva sua surra, Maria vira escrava doméstica e João é preso na gaiola para engordar. Na primeira oportunidade João escapa, com a ajuda de Maria, degola a mulher que os recebera e ambos fogem, mas não sem carregar o dinheiro do casal. O homem os persegue e morre afogado em um rio. João e Maria, agora carregando o tesouro são recebidos por seus pais, satisfeitos com o dinheiro recebido. Moral da história, não importa o que seus pais façam, volte sempre para eles, respeitosamente e com dinheiro.

Entre tantos contos do livro, todos moralistas, escolhi este para fazer minha recomendação por uma razão, a proteção à criança e ao adolescente. Em muitos casos há unanimidade na consideração de maus tratos, mas em outros parece que as coisas ficam mais turvas. É o caso das crianças que trabalham em programas televisivos. O dinheiro e o estatus enevoam o julgamento sobre este tipo de trabalho infantil, mas esta semana tivemos decisão exemplar da justiça em sentido de proteger uma criança exposta a situação no mínimo constrangedora. A menina Maísa não poderá mais ser posta no programa "Pergunte a Maísa", no canal SBT. Acredito que todos já viram a cena pelo youtube, então não preciso comentá-la. Fica minha alegria pela decisão.

sábado, 23 de maio de 2009

Caminhos

A vida realmente é coisa interessante com suas idas e vindas. Os rumos vão seguindo sem que percebamos, muitas vezes causando sensação de impotência quando nos encontramos em determinados lugares. Perguntamos “como cheguei aqui?” como se andassemos de olhos fechados, guiados por alguém responsável por nossa posição. Outras vezes percebemos como chegamos, mas não queremos olhar pra trás e ver, de forma crua, o caminho percorrido por nossa própria vontade. Tem também os momentos em que fazemos nossas escolhas no caminhar, de forma assumida. Notamos o que é deliberado. De toda forma, as possibilidades não nos evitam sofrimento, tempos de desagrado e a ausência. Em algumas trilhas, não importa como pisemos, que tênis calçamos, isso é o que temos, dor.

Os caminhos podem passar pelas mesmas paisagens, trazendo recordações de lugares visitados. Cidades, momentos, pessoas, coisas que constituem a paisagem da vida. Parece um trajeto circular, que não é. Um sentimento de familiaridade conforta enquanto andamos, afinal, bem melhor andar em terreno conhecido, mesmo que difícil.

Tentamos seguir, em frente ou pro lado, tentamos seguir. Traçamos nosso trajeto e, passo a passo, avançamos. Desviamos de árvores, e, uma a uma, saimos do plano. Por isso nunca temos certeza de onde estaremos amanhã, sabemos das árvores. Pra não falar de riachos e até montanhas que resolvemos contornar para chegar onde queremos.

Pode acontecer de chegarmos e então aparecer a pergunta “O que vim fazer aqui?”. Dá vontade de andar de costas, o que gera tropeços. Ficamos perdidos em um ponto em que nada parece fazer sentido, mas o caminho já foi andado.

Desta vez não tem imagem. Por que? Porque não quis. Imaginem, cada um, seus próprios caminhos. Percorram, em imaginação, por onde quiserem. Minhas imagens de caminhos não poderão se comparar.

terça-feira, 19 de maio de 2009

Meio atrasado

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O tempo em nós.

Ando meio atrasado nestes tempos. Chego sempre atrás do tempo, que não se importa muito comigo. Segue em frente e cada vez mais fico distante do presente. No passado, sem sair de onde estou, quando apareço, já era. Então, tenho que correr.

É assim o tempo todo, correria. Ao longo do tempo, o tempo vem ficando mais escasso para a vida. Os relógios são boa representação disso. A alguns séculos tinham somente um ponteiro. Pra que contar mais que isso? A industrialização arrumou resposta para essa pergunta. O tempo domesticado produz mais, tempo é dinheiro. Desde então o homem vê-se preso as inúmeras obrigações cotidianas com hora marcada. Hora de acordar, tomar café, pegar ônibus (que nunca tem horário), etrar no trabalho, etc. O tempo tomou o lugar das tarefas como guia do dia.

A ordenação de afazeres, assim guiada, é social. Não escolho meu horário de trabalho e nem mesmo me sinto preso, apesar de por vezes oprimido. Por conta disso penso em atraso quando não cumpro algum tempo convencionado. Reproduzo a lógica por impossibilidade de agir diferente. Se por acaso resolver que devo trabalhar oito da noite não encontrarei alunos em sala. A convivência obriga a aceitação para que a vida em comunidade seja possível. Assim fomos criados, assim entendemos o mundo.

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Nós no tempo.

O tempo ainda é mestre de outra maneira. Temos dimensão temporal em nossas vidas. Pensamos em passado, presente e futuro. Analisamos e fazemos ligação entre três tempos. As tomadas de decisão geralmente são feitas a partir de experiências passadas, vividas ou não, e direcionam/almejam um futuro mais, ou menos distante. Mas, como tudo é presente, e é neste tempo que decisões são tomadas, passamos a eternidade (enquanto dure) decidindo. Ou seja, vivemos no presente, com a cabeça em outros tempos.

Como a vida é viva (pleonasticamente falando) e as coisas mudam sempre temos a possibilidade de, amanhã, discordarmos das atitudes que tomamos hoje. Mas então, hoje será o passado e como o tempo é inexorável só resta o amargo gosto da aceitação.

Mudanças e permanências.

Lidar com isso não é fácil. Conseguir entrosamento satisfatório entre os tempos que vivemos também não. Mas compreender que a vida tem tempo é passo importante. Entender que o tempo é atravessado por mudanças e permanências é o ganho. Se não podemos mudar as decisões no passado, que nos trouxeram ao presente que vivemos, podemos agir no presente para um futuro que está aberto.

Recomendações

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De repente me deparei com esta imagem. Os velhinhos cercados de paisagem e fones de ouvido. Imediatamente lembrei de um post que li a algum tempo no blog da Bia, baseado em texto de Rubem Alves. Era sobre escutar. Ou o ato de não escutar, fingindo escutar. Faço então minha referência à referência e recomendo a leitura.

Aproveitando a indicação de leitura acima, faço também jabá do blog Ondas de Poluição. Os textos me surpreenderam. A escritora tem pouca idade, mas isso não a impede de fazer bem poesia, assim como escreve em prosa. Vale conferir.

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Então, fechando as recomendações do dia, indico Othello, de Shakespeare, filmado por Orson Welles. Intriga de ótima qualidade, questionando os locais ocupados pelo teatro no mundo. As representações no cotidiano são pensadas por Shakespeare já no século XVI, fazendo do teatro uma prática comum fora dos palcos. Toda a história armada por Iago nada mais é do que isso, um teatro criado e representado no mundo real, de forma sorrateira, enganando pessoas e guiando ações. A mesma tensão está presente em Hamlet, quando nobres vão ao teatro assistir uma peça que, com a mentira da arte, diz a verdade sobre aquele mundo, enquanto na plateia as pessoas de berço encenam para encobrir a realidade.

De certo modo, Shakespeare está mais próximo de Matrix que Baudrillard (para quem os irmão Wachowski não entenderam nada sobre Simulacros e simulações), pois pensa em uma verdade que existe, contraposta a mentira.

O que fez Orson Welles?

Em tempos de poucos recursos cinematográficos, entendeu que filmar teatro dispensa apresentações comuns ao texto, principalmente os escritos antes da luz elétrica. Durante o século XVI as peças eram representadas durante o dia, aproveitando a luz do sol por questões óbvias. Qualquer passagem noturna precisava de narração que localizasse os personagens no tempo. Hoje parece claro que estas cenas devem ser descartadas em montagens cinematográficas de peças de teatro, mas não era quando o cinema estava mais jovem. Orson Welles entendeu bem a idéia de adaptação.

A união de um cineasta que acerta com uma boa história resultam em um filme excepcional. Assistam.

domingo, 17 de maio de 2009

Abelhas

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Trinta por cento, é a estimativa de responsabilidade das abelhas na produção de alimentos pelo mundo. Mas estão morrendo, ano após ano, sem explicação. De repente não voltam para casa (colméias) após o trabalho. Criadores de abelhas americanos perceberam o fenômeno e entraram em contato com pesquisadores universitários. Até agora só existem suspeitas, que recaem sobre uma confluência de fatores relacionados a nutrição, agrotóxicos e doenças.

Os três fatores estão relacionados a forma como os seresm humanos produzem seus alimentos. Os agrotóxicos não estão presentes em todos os casos de morte das colméias, abelhas que polinizavam plantações organicas também foram atingidas. Mas os outros fatores estavam presentes e são potencializados pela criação ou pela utilização de abelhas em monoculturas.

Novidade pra mim que abelhas são alugadas para polinizar plantações mundo afora. Este trabalho garante uma variedade de vegetais em nossas mesas. As colméias são levadas para fazendas e deixadas por um tempo polinizando. Geralmente as abelhas trabalham em monoculturas, o que não garante variação nutricional para os insetos. A criação tambem facilitou a propagação de vírus que atinge as abelhas.

Segundo os pesquisadores não haverá extinção de abelhas, nem dos alimentos que dependem de polinizadores silvestres. O problema é que possivelmente o preço vai subir, devido as dificuldades de produção ocasionadas pelo pouco número de abelhas. Claro, também haverá problemas para as famílias que vivem do aluguel de abelhas.

Fonte: Scientific American, maio de 2009.

quinta-feira, 7 de maio de 2009

Mexicanos

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Abracemos nossos irmãos mexicanos. Não só porque nos deram o Chaves. Não só por Zapata. Abracemos logo, pois se pegarmos antes a gripe suína (ou seja lá como a chamaram para não prejudicar a venda de carne), talvez possamos ter um atendimento médico aceitável dentro do quadro absurdo em que se encontra a rede de sáude brasileira.

Segundo especialistas, a tal gripe vai atingir 100% da população. É apenas uma questão de tempo para isso acontecer. O vírus espalha-se pelo ar, de forma rápida. O doente precisa ficar internado, sob cuidados médicos. Em casa, o risco de morte é maior. Fiz uma rápida pesquisa pelo site do IBGE para ter uma idéia melhor do que isso pode representar em minha cidade. Existem 2534 leitos em Niterói, destes, 1024 estão na rede pública de saúde e 722 na rede particular atendendo pelo SUS. O restante das vagas, só pagando. O município possui 474 mil habitantes. Divisão rápida com ajuda, são 187 pessoas para cada leito. Caso a gripe realmente se alastre teremos problemas amplificados com uma rede hospitalar insuficiente. Claro, nem todos vão adoecer ao mesmo tempo, porem somos forçados a lembrar que nossos suinamente gripados compartilharão leitos com vários outros internados. Atualmente, sem pandemia, está dificil arrumar vaga em hospital nesta cidade, mesmo pagando por isso.

Niterói não é boa medida para o Brasil, claro. Estamos entre as cidades com maior IDH do país. Então Sebastião, vamos fazer os cálculos para a cidade vizinha, São Gonçalo, mais pobre e populosa que Niterói. Com uma população de 960.631 pessoas e 1991 leitos a relaçao é de 482,5 pessoas por leito. A situação é mais complicada ainda em Maricá, outra cidade contígua, são 1012 pessoas por leito. A coisa não muda nos outros municípios ao redor de Niterói, até mesmo a capital conta com um leito para 209 habitantes. Caso chegue mesmo a pandemia, teremos problemas.

Caso não chegue gripe alguma, ainda temos um grande problema. Não há vagas que cheguem para os cidadãos do estado do Rio de Janeiro. Duvido que seja diferente em outros estados, São Paulo (capital) tem um leito por 469 viventes. Em Brasília? 494 por um. Não é a toa que as notícias sobre pessoas atentidas em corredores de hospitais são comuns. Nossa rede de atendimento não é capaz de suportar o cotidiano de atendimentos, não é necessário que eventuais emergências exponham suas deficiências. Isso falando unicamente sobre a capacidade de atendimento do sistema, não tocamos no assunto qualidade de atendimento ou prevenção de doenças.

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Por isso defendo um programa de contágio planejado, com senhas, para que possamos dividir, ao longo do tempo, os pacientes, de forma que fique distribuída a quantidade de pessoas atendidas por mês, sem confusão. Caso não topem minha proposta, vou correr e abraçar todas as mexicanas que encontrar pela frente, um ato de solidariedade, na esperança de compartilhar, também, o Influenza A (H1N1). Os primeiros infectados recebem tratamento especial.

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Enquanto escrevi este post o Ministério da Saúde confirmou os primeiros casos da gripe no Brasil.